Brumadinho e a aplicação da pós-verdade na prática

Por Fabrício Rocha

Inúmeros estudiosos têm desenvolvido análises contundentes sobre esse fenômeno atual dos processos de comunicação e da linguagem nos dias atuais. Pois bem o caso Brumadinho permite-nos entender estes processos na prática. Permite-nos ver, perceber e reconhecer a construção de verdades quando a verdade não interessa mais.
Neste breve texto não tenho interesse de o conceito de pós-verdade, mas partindo do pressuposto de que esse é verdadeiro, percebê-lo em uso a partir do rompimento da barragem que devastou parte da vida do povo brasileiro é no mínimo interessante.
Então vamos lá, a verdade é uma ficção construída socialmente, uma verdade é um saber a respeito de determinada questão, e por que construída socialmente? Por exemplo, a terra já foi plana e agora é redonda. O que era verdade em um determinado momento do conhecimento da humanidade pode deixar de ser a partir de novos conhecimentos.
Ocorre que com o avanço tecnológico dos processos comunicacionais e o uso das mais perversas metodologias e estratégias percebeu-se que verdades podem ser criadas sem ser totalmente verdadeiras. Esse fato tomou vulto em 2011 na guerra contra o Iraque que pelo suposto uso de armas químicas contra a humanidade, tornou-se inimigo número um, ou bola da vez, para as guerras do império.
Dito isso brevemente, vamos ao caso de Brumadinho. Antes disso, vamos a verdade do nosso tempo no Brasil de 2019: o Estado brasileiro é enorme e pesado, necessitando enxugamento; os gastos do Estado brasileiro são excessivos, e não pode gastar mais do que arrecada, mesmo que isso signifique sacrifícios mortais da sua população, seja na segurança pública, educação e saúde para ficarmos nas políticas tradicionais; a privatização, terceirização, PPPs são a solução de um Estado inoperante; o mercado regula a sociedade em oportunidades que tem maior legitimidade em benefício da vida das pessoas e da sociedade e de toda humanidade; as escolhas sexuais de homens e mulheres, na sua alcova, determinam os caminhos da humanidade; sob alegação de tirar os partidos de dentro das escolas, aleijar nossa juventude de qualquer capacidade raciocínio crítico. São ou não são verdades, legítimas diariamente por emissoras de comunicação, tradicionais, com inúmeros e sabichões com títulos e títulos acadêmicos? Repetidas milhões de vezes em coro até que se tornaram verdades?
Mas qual a verdade, talvez verdadeira? Conforme pesquisa realiza em 2015*, o Brasil possui 3,12 milhões de funcionários públicos o que representa 1,6% da população é de funcionários públicos, enquanto na Noruega, símbolo de uma sociedade evoluída para esses mesmos jornais conservadores e tradicionais, possui 30% da população como funcionários públicos, os Estados Unidos na décima posição possui 15,3%.
Segundo reportagem da Globo News, existem 31 organismos federais e estaduais responsáveis pela fiscalização das empresas privadas que salvarão as empresas de mineração brasileiras, que salvarão a sociedade brasileira. Ocorre que somados estes 31 órgãos não especificados somam 154 funcionários, e o número de barragens em todo o Brasil superam 5mil, que precisam de fiscalizações e laudos anuais e até semestrais. Aí começa a parte tragicômica da verdade criada no Brasil, a empresa privada responsável pela exploração das riquezas brasileiras, que serão distribuídas para meia dúzia de brasileiros usufruírem, contrata uma empresa alemã para produzir laudos técnicos de segurança. Ações que levam na prática a uma das maiores tragédias da humanidade nos nossos tempos. Os jornais já conhecidos de todos nós se revezam para supostamente denunciarem que não existia fiscalização. Que o Estado não fazia suas funções. Que os brasileiros não planejam. As verdades mentirosas continuam. Multas milionárias para punir a segunda ação devastadora, por que então agora o capitalismo punido vai se tornar socialmente justo. O Gen. Heleno diz agora que todas as barragens brasileiras serão vistoriadas. Sendo que é impossível 154 funcionários realizarem esse trabalho.
O mais trágico e avassalador de tudo, a comoção dos comunicadores e suas caras de paisagens. Treinados para quase chorarem ao falar de mortos e desaparecidos e imediatamente brincarem com a vitória do Flamengo ou do clube Corínthians.
Se nossos alunos não estivessem à mercê das mordaças ideológicas poderiam simplesmente analisar os números e perceber que 154 funcionários não podem realizar em lugar nenhum do mundo laudos para mais de mil barragens. Que a empresas assassinas eram privadas. Que os donos assassinos são homens, brancos e heterossexuais e pais de famílias constituídas segundo “as normas de Deus”. Que o cinismo de âncoras e comentaristas políticos repetem um discurso sabedoramente falso. Que não é verdade o que estão dizendo mesmo que tenham inúmeras e fraudulentas justificativas inclusive acadêmicas. Que as multas entram nos cálculos empresariais como uma minúscula possibilidade estatística de acontecer. E que se não ocorrerem mesmo colocando em risco a vida das pessoas aumenta os lucros. Não investir em prevenção é apenas mais uma forma de aumentar lucros, já absurdos e escusos.

Esta aí o uso na prática do conceito de pós-verdade. Uma ficção repetida mil vezes que não se sustenta ao uso dos neurônios.

Fonte: http://www.oecd.org/gov/government-at-a-glance-22214399.htm

Fonte: https://www.superlistas.net/os-15-paises-com-mais-servidores-publicos-no-mundo/?fbclid=IwAR2isTUbdmdhkJpmzT1dxcNx8z0_cg0mYGMpT-llpfYPnFOgXoOYRbemXgw

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