Machismo, um homem e os problemas do seu tempo

* Por Fabrício Rocha

Tocado pela luta feminista e reconhecendo a construção heteronormativa que

oprime a mulher, não pode um homem deixar a vida passar sem questionar-se. Antes de tudo, questionar-se é reconhecer o discurso social a respeito do que é ser homem, um discurso a respeito de si mesmo. E isso evidentemente repercute naquele que é do seu tempo, aquele que não está na vida a passeio. Alguns de nós, neste caso homens e mulheres, chegamos até aqui a fim de fazer parte da construção. Da construção do que é este mundo. Fugindo do tema rapidamente, alguns e algumas acham que destruir é construir, mas essa pequena grande confusão fica para outra. Na questão do machismo é estranho ao principiante o fato de que ao se deparar com tamanho problema, um homem ligado às questões do seu tempo (e orientado para a ação) prontamente se dispõe a mudar. A mudar-se e mudar o mundo. Aí começa o primeiro percalço. Mudar a construção heteronormativa, machista, não é construir e nem mesmo reconstruir. É desconstruir.

Tentando entender a tal desconstrução. Os homens ficam razoavelmente isolados, pois a mulher tem a luta feminista construída com muita dor e sangue, diga-se de passagem. E de maneira muito legítima, nesse debate o protagonismo não é mais dos homens. O que demorei muito para entender, pois um homem do seu tempo – e orientado para a ação – quer falar, quer demonstrar sua solidariedade. E aí vem o problema do tal protagonismo heteronormativo, que deve ser desconstruído: é ansiogênico para um hiperativo ficar calado em debates que nos levam a inúmeros caminhos, descaminhos, desconstruindo construções e construindo desconstruções.

Depois de inúmeras retaliações, é chegada a hora de reconhecer que, em debates feministas, a um homem cabe ficar calado e escutar. Entretanto, a luta feminista é das mulheres, mas acredito que a luta contra o machismo é de homens e mulheres ligados ao seu tempo
histórico.

Passei a compreender a importância de combater o machismo, como fator de ruptura com esta sociedade injusta, onde um mundo melhor para todos e todas será realmente um mundo sem opressão. Compreender que a opressão das mulheres, dos negros e das minorias em geral é a estrutura da ortopedia moral de todas as opressões. Para mim sua função social é manter alguns no controle da distribuição dos benefícios que a humanidade construiu para si.

Se foi a humanidade que construiu esses benefícios, imagino que tenham sido homens e mulheres, e ainda tenham construído para todos e todas usufruírem. Mas curiosamente essa distribuição não ocorre. Nem para todos os homens brancos ou negros. Nem para todas as mulheres, brancas ou negras. Que dirá a comunidade LGBTI. Aí a gente começa a entender o que é privilégio. Privilégio é quando uma pessoa tem mais acesso aos benefícios da humanidade que outra pessoa igual, segundo algumas regrinhas. Ser homem, branco e supostamente heterossexual por exemplo.

Aqui no Rio Grande é muito simples. É só olhar a sala de aula, a fila do ônibus, os funcionários dos bancos, das lojas, a beira da praia. E assim por diante.

Basta olhar com os olhos abertos e ser um homem ou mulher do seu tempo. Mas o meu objetivo neste artigo é outro. É fazer pensar sobre a desconstrução do machismo e suas implicações para os homens. Não fazendo recortes raciais, que existem evidentes. Mas isso é pra ir desconstruindo ainda mais (risos).

Voltando ao tema desconstrução, por que se trata de descontruir? Porque o pensamento heteronormativo é um discurso construído socialmente ao longo dos tempos para funcionar como gatilho do controle social, do status quo.

Portanto, se nem os machistas se reconhecem como machistas por ser inaceitável a quem tem dois neurônios que conversem entre si, tratemos de descontruir essa bobagem totalitária que não serve a nós libertários.

Como há poucas oportunidades para desconstruir o discurso e práticas machistas do ponto de vista dos homens, existe uma tendência heteronormativa de achar que os homens estão sem chão por conta desta mudança de valores e precisam do colo da mamãe.

Depois de ouvir uma palestra do grupo Ponto Gênero, no glorioso Clube de Cultura, consegui perceber o motivo do homem ficar sem chão, como dizem os tabloides conservadores.

É que a desconstrução da masculinidade heteronormativa tira de si pedaços de comportamentos que não dialogam com o controle, sejam de si ou dos outros. Outros homens e mulheres. Ou seja, é tirar o chão que está sob os pés. É pisar outro solo, outros caminhos. E nesse sentido não tem nada a ver com precisar de colo da mamãe. É tornar-se um homem do seu tempo. Arrisco-me a dizer, para continuar o debate, que a desconstrução feminista é distinta. A desconstrução feminista é ativa, é de luta, é de aquisição. A do homem é sacar, é tirar o chão. Evidente que as duas desconstruções são existenciais, porém com sentidos opostos. Enquanto as mulheres lutam para ter direitos, os homens lutam para perder privilégios. Os homens que lutam pelo menos as lutas do seu tempo, lutam para tirar o chão dos seus pés.

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